quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A INTENÇÃO E PRETENSÃO DO ESCLARECIMENTO


Fabio Goulart[1]

RESUMO
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade de que ele próprio é culpado. Passado mais de duzentos anos do iluminismo europeu a humanidade em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, se afunda sempre em uma nova espécie de barbárie. Somos adestrados de tal forma que faz com que mesmo após termos deslumbrado nosso esclarecimento jamais possamos efetivá-los na prática. Chegamos ao século XXI e os homens nunca foram tão escravos de seus mitos quanto hoje são. Isso porque concederam o status de natural às suas próprias invenções. Neste trabalho são analisados três pontos chaves para entendermos o esclarecimento sua intenção, pretensão, sua não concretização, seus efeitos sobre a vida humana, etc. sendo eles: 1º A intenção do esclarecimento tem a ver com liberdade e não com seu contrário; 2º O esclarecimento é um projeto  que vai muito além do período do iluminismo europeu; 3º O esclarecimento pretensiosamente subjuga todos projetos anteriores da razão se pretendendo como “o projeto definitivo da razão humana”. Por isso acabou abrindo a possibilidade ser falsificado, gerando assim justamente seu oposto aos homens.
Palavras-Chaves: Esclarecimento. Razão, Falsificação, Intenção, Pretensão.
RESUMÉN
La aclaración es la salida del hombre de su juventud que él mismo es culpable. Después de más de doscientos años de la ilustración europea la humanidad en lugar de entrar en un estado verdaderamente humano, se hunde cada vez en un nuevo tipo de barbarie. Estamos entrenados de tal manera que hace que incluso después de que nos deslumbró a nuestra iluminación  nunca se puede realizar en la práctica. Hemos llegado al siglo XXI y los hombres nunca hemos sido esclavos de sus mitos como lo son hoy. Esto se debe a teniendo otorgado el estatus de natural a sus propias invenciones. En este trabajo se revisaron tres puntos clave para entender la intención del aclaración, su pretensión, su no realización, sus efectos sobre la vida humana, etc. Son Ellos: 1º La intención de la iluminación tiene que ver con la libertad, no con su opuesto, 2º La aclaración es un proyecto que va mucho más allá del período de la Ilustración europea; 3º Aclaración tercera pretenciosamente sub-jueces todos los proyectos anteriores de la razón reclama como "el proyectos definitivo de la razón humana". Así que con sólo abrir la posibilidad de falsificar, generando así exactamente lo contrario para los hombres.
Palabras Claves: Aclaración. Razón. Falsificación, Intención, Pretensión.

INTRODUÇÃO
            Vivemos um tempo onde a democracia triunfou sobre todos demais sistemas políticos e o liberalismo sobre todos demais sistemas econômicos. Claro que existem outros sistemas políticos e econômicos ainda vivos no mundo, mas nenhum de fato ameaça a superestrutura estabelecida ou mesmo tem o poder de seduzir as massas aos seus encantos.
            Paradoxalmente a todo sofrimento, injustiça e desigualdade aguda no mundo a grande maioria das pessoas se sentem tão confortáveis que não se encorajam a tomar qualquer atitude que vá contra a nossa realidade. Mesmo assim, os poucos que se manifestam tem feito muito barulho, por isso o nosso  tempo está virado em um gigantesco caldeirão de protestos e, para mim, isso se dá devido a dois motivos.
            O primeiro seria a luta pela globalização dos direitos – Nos últimos sessenta anos[2] tudo se fez para globalizar o livre comércio e as formas de obtenção de lucro, mas as principais vantagens e direitos deste “mundo globalizado” me parecem que ficaram restritos a uma micro parcela da população mundial. Hoje as novas tecnologia de comunicação, por serem muito mais dinâmicas e interativas, permitem que trabalhadores do mundo inteiro se comuniquem e acessem informação e conhecimento. Isso leva à uma maior revelação do estado de trabalho alienado e das condições precárias de mão de obra o que acaba por fomentar uma série greves e revoltas de trabalhadores das mais diversas classes nos países menos desenvolvidos ou em desenvolvimento. Por esse mesmo motivo os países islâmicos no norte da África encodem desde 2011 numa série de revoluções, protestos e até guerras civis; que são denominadas de Primavera Árabe. No geral[3] as pessoas destes povos estão lutando para garantir para si uma série de direitos que já são teoricamente garantidos aos povos do mundo ocidental desenvolvido.
            O segundo motivo encontraremos nos protestos dos países já desenvolvidos, principalmente na Europa. Nestes países uma série de medidas econômicas precipitadas aliadas a especulação desproporcional das classes financeiramente mais favorecidas levou seus povos à uma recessão como não se via a muitos anos. Os governos daqueles países que carregam o pseudo título de superpotências se veem impotentes diante da realidade e já não têm mais condições de garantir os benefícios e o conforto que em outros épocas concederam aos seus cidadãos.
            O que há de igual a todos estes movimentos é o fato de definitivamente não se tratarem de “lutas contra o sistema”, mas justamente de seu oposto. São lutas pela manutenção ou pelo restabelecimento do status quo. Um status quo que na prática nunca existiu, mas que nos vem sendo implantado a milhares de anos através dos mais variados mecanismos de coerção social e por isso ganhou as proporções de uma antiga profecia oracular. Profecia essa que fala dum mundo justo, igualitário, seguro e confortável. Ninguém nunca foi idiota o suficiente para tentar assumir tal profetizado, mas todos intrinsecamente sabem de sua existência. Isso é tão evidente que ao longo dos séculos, e ainda hoje, muitos são os que são sempre dispostos a lutar e derramar o sangue que for necessário para que a profecia se cumpra o mais rapidamente possível.
            Comunismo, Nazismo, Fascismo, Capitalismo, Liberalismo, Cristianismo, Islamismo, Judaísmo, Budismo, Hinduísmo, etc., e em especial o Iluminismo. Quase todos os “ismos” do mundo acabam por sempre ser muito mais e nada mais[4] do que uma nova forma de interpretar a velha profecia.
            Ela é muito  mais velha que qualquer sociedade. Seu tempo nos remete ao momento em que os mais primitivos homens perceberam que não era mais preciso apenas viver a natureza, mas que era possível domina-la e reverte-la para seu bem estar. Foi ai que o mais velho do grupo se dirigiu aos mais novos e apontou para o horizonte a ser desbravado. Assim nas nasceu a profecia! Muito antes da linguagem[5], me atrevo a dizer que foi neste momento que aquilo que chamamos de “racionalidade” surgiu sobre a face da Terra.
            Existe um certo desgosto com a imutabilidade e a incapacidade de conseguirmos fazer com que se cumpra a profecia. Geralmente se aponta o governo, o sistema econômico e a religião como a origem de nossos problemas, mas estes nada mais são do que subordinados de nosso real inimigo. Alguns acusam erroneamente a natureza humana e volte e meia surge um grupo atacando a democracia, fato esse que nos coloca em uma situação constante de flerte sadomasoquista com o totalitarismo.
            Entre aqueles que mais se aproximam daquele que acredito ser o inimigo real, estão os que acusam o Sistema por nossos sofrimentos e misérias. Mas “Sistema” é só um nome que racionalmente damos a um inimigo cujo seu nome não pode ser proclamado num estado tradicional de sanidade.
            Aristóteles uma vez disse: O ser humano é um animal racional. Tal analogia serviu para denunciar aquilo que já era evidente: Estamos condenados a uma contradição enquanto espécie. Desde o primeiro dia após a profecia, passando pelo advento da linguagem e a fundação das sociedades, nossa parte racional sempre tentou dominar nossa parte animal. Em grande medida isso foi feito, o que deu ao homem a sensação de ser superior ao mundo e às outras espécies. Mas ao contrário de toda nossa pretensão, nunca conseguimos dominar nossa natureza por completo[6]
            Julgo que quando falamos em Sistema, na verdade estamos falando dos mais variados tipos de mecanismos que inventamos para tentar esterilizar nossa natureza. Claro, sempre fracassamos.
            Economia, arte, religião, ciência, política ética, filosofia, etc. tudo isso é frustração. É fruto daquele desejo primitivo de “fazer se cumprir a primeira profecia”.
            Falamos tanto em igualdade, mas por que queremos tanto essa tal igualdade? Será que é por justiça, caridade amor ou compaixão? Definitivamente não. O fato é que somos naturalmente diferentes. A busca por igualdade também vem do desejo primitivo de domesticar a natureza. Queremos a igualdade pelo mais vaidoso fetiche. O fetiche de fazer com que, de uma vez por todas, nossa razão impere sobre nossa animalidade. O problema disso, por mais chocante que possa ser, é que a tentativa de fugirmos de nossa natureza através da razão nos levou a um estado de submissão e barbárie que nenhum outro animal pode chegar. Todo crime, todo horror, toda guerra, toda miséria, etc. sempre foram frutos de nossa razão, não de nossa natureza.
            O que estou querendo dizer, por mais difícil que seja fazer isso racionalmente, é que durante todo esse tempo o real inimigo de nosso real esclarecimento[7] sempre foi a própria razão humana.
            Razão essa que acabou por falsificar o mundo criando uma gigantesca máquina que se replica sob as margens do progresso. Alienando, iludindo, esvaziando o sentido e o significado de tudo, etc.
            Não falo da razão instrumental, falo da razão pura. Ela que em nome do esclarecimento nos fez fugirmos desesperadamente de todos nossos medos e no meio de sua mimeses nos afundou no mais desolador de todos os medos, o medo da própria natureza. Esse medo é o combustível de todos nossos problemas no mundo. Devido a ele todas nossas revoluções não passam de movimentos reacionários e nosso conhecimento não é mais que tautologia.
            A razão trabalha tão bem que conseguiu falsificar dentro do Sistema a falsa impressão do deslumbre de estarmos apontando para um fora do Sistema a partir de nossas críticas ao Sistema. Infelizmente este “fora do Sistema” não existe, é apenas uma ilusão criada para nos mantermos esperançosos. Tudo não passa de apenas mais um de seus artifícios de dominação. A cada um passo que acreditamos estar dando rumo a nossa emancipação, na verdade estamos dando dois passos em direção a velha tutela. Caminhamos com os pés de Curupira[8].
            Immanuel Kant certa vez profetizou que existiam limites para o exercício da razão e argumentou muito bem nessa direção[9]. Claro que a razão com toda sua pretensão não poderia deixar passar impune tamanha insolência! Fez com que o próprio profeta[10] e os demais homens entendessem daí não que a razão em sua gana não pode tudo, mas sim que as coisas das quais não é possível exercermos racionalmente o domínio não podemos e não devemos falar. A razão pura acusou a natureza de metafísica e a punição por tal crime não poderia ser outra senão a sua total exclusão de todo conhecimento que se julgue sério, coerente e justificável.
            Mas mesmo enganado o profeta Kant permaneceu certo: não podemos contar com a natureza para lutarmos contra a razão. Tal grandiosa luta, que é a luta que de uma vez por todas poderá nos libertar da real tutela opressora da qual voluntariamente nos submetemos, deve ser uma luta totalmente racional. Uma guerra doméstica. Fato esse que tornará nossa missão assombrosamente difícil, mas é justamente deste assombro, que é exatamente o assombro que nossos ancestrais tiveram ao contemplar a magnitude da natureza por uma primeira vez, é que emana a forca que nos levará à vitória. Dado o fracasso de movimentos teóricos anteriores nesse empreendimento, é chegada a hora de nos fazermos livres. É chegada a hora de criticarmos a razão humana!
1. A INTENÇÃO DO ESCLARECIMENTO
            Poucos são os textos que com tão poucas palavras conseguem servir de base para estruturação do pensamento de toda uma época. O opúsculo de Immanuel Kant “Resposta a pergunta: que é iluminismo?” de 1784 certamente faz parte deste seleto grupo de escritos.
            Devido sua simplicidade e clareza tal texto se tornou um símbolo de sua época. Se tornou uma referência sempre viva durante toda construção do pensamento moderno. Foi um verdadeiro subsidio intelectual para as mais diversas mudanças que ocorreram após sua publicação. Por isso mesmo julgo que filosoficamente este foi o texto mais interessante e um dos mais importantes durante o iluminismo europeu.
            Chegamos ao século XXI e muita coisa mudou. Cortamos a cabeça dos monarcas e a democracia imperou como o “sistema político vencedor”; a burguesia conseguiu o poder que tanto sonhava, porém nunca aprendeu a lidar com sua crises sem recorrer ao Estado; o comunismo foi inventado na teoria, ascendeu na prática e ruiu pelas mãos daqueles mesmos que um dia o ergueram; a ciência levou o homem à Lua e nos curou de doenças que eram verdadeiras maldições divinas; a mídia assumiu a posição da igreja na alienação das massas; temos hoje indícios de um mundo cada vez mais conectado; e jamais podemos esquecer as barbáries totalitaristas, as guerras mundiais, as bombas atômicas, etc. Passado mais de duzentos anos a humanidade de fato apresentou um progresso técnico esplendoroso, porém justamente na direção contrária deste avanço, parece evidente para os filósofos pós-modernos que a humanidade jamais atingiu o nível de esclarecimento de que Kant um dia prometeu.
            Por mais que sua filosofia tenha ganhado ares proféticos com o passar dos anos, Kant não tinha como prever o futuro, por isso não vejo sentido em usar de minha análise para atacar seu texto o acusando de ignorar os mais variados vínculos entre o uso da razão e o exercício da autoridade ou de ter subjugado todo esforço esclarecedor da humanidade anterior ao iluminismo sob a acusação de fazerem parte de uma “menoridade culpada”.
            O texto kantiano me parece cheio de boas intenções e é justamente na busca do entendimento destas intenções é que me darei o trabalho.
            Se ainda acredito no esclarecimento, se ainda acredito na evolução da racionalidade humana: devo dedicar meus esforços na busca pela revelação de nossos erros que nos levaram ao fracasso do projeto da modernidade[11], para que com isso não voltemos a cometer tais erros ou simplesmente darmos sequencia basbaqueados a todo horror que fazemos em nome do progresso.


 1.1 O QUE É ESCLARECIMENTO
            A Europa na segunda metade do século XVIII fervilhava em ideias e ideais. O sistema monárquico nem de longe agradava seus conterrâneos. Em ascensão a burguesia pedia por liberdade e direitos. Esclarecimento era uma palavra cotidiana nas conversas intelectuais e também dos mais diversos setores da sociedade. O curioso é que não havia um consenso sobre o que era este tal esclarecimento tão buscado pelos homens. Certa vez interrogado Immanuel Kant se deu ao trabalho de dissertar sobre tal conceito e logo no primeiro parágrafo de sua resposta, disparou:
Iluminismo é a saída do homem de sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menor idade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Separe aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo. (KANT, p.1)
           
            Logo neste parágrafo se revelam os três pontos centrais que pretendo abordar neste trabalho:
                        1º A intenção do esclarecimento tem a ver com liberdade e não com seu contrário;
                        2º O esclarecimento é um projeto  que vai muito além do período do iluminismo                           europeu;
                        3º O esclarecimento pretensiosamente subjuga todos projetos anteriores da razão se                    pretendendo como “o projeto definitivo da razão humana”. Por isso acabou abrindo a                   possibilidade ser falsificado, gerando assim justamente seu oposto aos homens.    
            Quanto ao terceiro ponto deixá-lo-ei de lado agora, pois será dissertado no próximo capítulo deste trabalho com a ajuda do texto “Dialética do Esclarecimento” de Adorno e Horkheimer. Dedicar-me-ei agora a uma rápida explanação sobre os dois primeiros pontos.
1.2 LIBERDADE E ESCLARECIMENTO
            Como já descrito na introdução deste trabalho, já faz muito tempo que os homens perceberam serem dotados de razão e que isso poderia lhes fazer libertos de sua natureza. Mesmo assim nunca fomos de fato livres, por preguiça e covardia e outras causas menores os homens sempre se fizeram submissos à outras tutelas, disse Kant. (KANT, p.1) Para ele é muito mais cômodo mantermo-nos na menor idade por toda vida. É bem mais fácil apontarmos um livro de capa preta como guia moral do que nos incumbirmos do pesado trabalho de estudar e ouvir muito para obter um satisfatório nível de esclarecimento para que possamos ter uma consciência moral autônoma frente a nossos atos.
            A vida em sociedade nos trouxe muito conforto, tanto conforto que não precisamos mais cuidar de quase nada em nossas vidas. Não sei dizer como era no século XVIII, mas atualmente nem temos mais tempo para isso. Um juiz faz valer a lei, a polícia nos dá segurança, o médico cuida de nossa saúde, o professor ensina nossos filhos, tudo que preciso já está produzido, etc. A vida em sociedade nos coloca numa posição tão estática que tudo que precisamos para “viver bem” não necessita de crítica ou emancipação, basta bater o cartão e cumprir a função. Para que sair da menoridade se tudo que precisamos é chegar vivo ao fim do dia um dia após o outro durante todos os dias de nossa vida?
           
            Aos mais jovens e eufóricos com a possibilidade de se fazerem livres a razão sempre arranja seus jeitos de intimidá-los: mostrando os vícios dos revolucionários, a loucura dos filósofos e a morte prematura dos poetas como a sempre viva tragédia anunciada par quem se aventurar pelo caminho do esclarecimento.       
Agora, porém, de todos os lados ouço gritar: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de finanças: não raciocines, paga! E o clérigo: não raciocines, acredita! (…) Por toda a parte se depara com a restrição da liberdade.” (KANT, p.2-3)
            Os homens se acostumam com sua situação  de menoridade, existe até uma relação de amor com ela. Sob tutelas exteriores o homem se amarra a tal network de conceitos e crenças que faz com que qualquer tentativa de desamarração pareça desnecessária, impossível e ridícula. Kant alerta:
Preceitos e fórmulas, instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua. Mesmo quem deles se soltasse só daria um salto inseguro sobre o mais pequeno fosso, porque não está habituado ao movimento livre. (KANT, p.2)
            Hoje isso equivale a dizer que a razão humana através das mais variadas ferramentas do Sistema nos adestra de tal forma que faz com que mesmo após termos deslumbrado nosso esclarecimento jamais possamos efetivá-los na prática. Mantendo assim toda espécie sob a sua tutela, pois nos convence, ainda que por formas underground, de que a ignorância é uma benção.
             Todo ser humano em perfeita saúde tem a vocação para pensar por si próprio. , por isso na ideia kantiana é perfeitamente possível que qualquer um se esclareça.(KANT, p.2) O esclarecimento pode ocorrer independente da idade, formação, função social, renda per capta, etc. Isso significa dizer que pode ser que tenhamos um alto executivo de uma empresa que viva completamente na menoridade e tenhamos alguns de seus mais reles subalternos muito bem esclarecidos. Me atrevo a dizer que isso é muito comum nos dias de hoje, afinal geralmente as pessoas mais bem sucedidas são justamente aquelas que melhor se submetem e se adaptam as forcas manipuladoras de sua sociedade, são justamente os melhores jogadores do sistema. Por isso mesmo não têm e nem querem ter para si o esclarecimento, estão tão amarradas em sua função social que se tornam inimigas públicas da emancipação intelectual.
                 O filósofo escreve com todas as letras: “Raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes; mas obedecei!”(KANT, p.7) A intenção de Kant ao escrever isso era alertar o mundo de que entre todas as regras que o indivíduo de uma sociedade deve se submeter, nenhuma lei pode impedi-lo de raciocinar e tornar pública sua opinião, seja ela sobre quem quer que seja. (KANT, p.3) Qualquer contrato que um indivíduo ou um povo possa fazer impedindo alguém de se emancipar racionalmente é completamente nulo. Ninguém, nenhum governo, nenhuma religião, nenhum plebiscito, nada nem ninguém tem tamanha autoridade para impor este absurdo contra si mesmo ou para doutrem.(KANT, p.4) Infelizmente muitos pretensiosos homens falsificaram o pronunciado kantiano e dele entenderam a seu bel-prazer que as pessoas podem raciocinar o quanto quiser, desde que permaneçam caladas. Por isso muitas ideias iluministas puderam ser usadas para fundamentação de governos totalitários. Claro que isso vai completamente contra as intenções de Kant que escreveu:
O uso público da própria razão deve sempre ser livre e só ele pode entre os homens, levar a cabo a ilustração.(...) Por uso público da própria razão entendo aquele que qualquer um, enquanto erudito, dela faz perante o grande público do mundo letrado. Chamo de uso privado àquele que alguém pode fazer de sua razão num certo cargo público ou função a ele confinado.(KANT, p.3)
                Vamos imaginar o caso onde eu enquanto professor de filosofia sou contratado para lecionar  numa escola. Embora eu seja uma pessoa esclarecida[12], vou estar sendo contratado para fazer somente o uso privado de minha razão, terei que respeitar os estatutos da escola e vou ter que ensinar aquilo que me for solicitado. Poderei e deverei ensinar de maneira que meus alunos possam ser críticos e também possam buscar seu esclarecimento. O que nunca deverei fazer fazer é simplesmente ensinar o que eu quero, porque eu quero e do jeito que eu quero, apresentando minha opinião como a “opinião verdadeira” para meus alunos. Poderei fazer o uso público de minha razão enquanto professor se e somente se verificar no corpo de discentes que os eles podem acompanhar meu raciocínio e que o mesmo será interessante para o desenvolvimento da investigação em sala de aula. Em contra partida: enquanto pesquisador em filosofia, eu sendo erudito e me dirigindo a um público genuíno[13], deverei gozar de minha liberdade fazendo valer o uso público de minha razão.(KANT, p.4) Uma vez elaborado meus argumentos devo proclama-los ao mundo estando ciente de suas consequência e aberto à críticas, para só assim poder ser de fato livre. Ou seja, dentro da ideia kantiana, para se considerar esclarecido um indivíduo deve, entre outras coisas, saber fazer muito bem o uso da razão pública e privada de acordo com a situação.
            Num exemplo mais abrangente Kant diz que:
O cidadão não pode recusar-se a pagar os impostos que lhe são exigidos.(...) Mas, apesar disso, não age contra o dever de um cidadão se, como erudito, ele expulsar as suas ideias contra a inconveniência ou também a injustiça de tais prescrições.(KANT, p.3)  
            Se fosse vivo hoje, julgo que Kant certamente iria gostar muito dos recursos que a internet por meio da Web 2.0 nos proporciona. A possibilidade de estarmos conectados a bilhões de pessoas e podermos expressar livremente nossa opinião de qualquer lugar a qualquer momento através de um dispositivo móvel pode ser uma ferramenta fantástica para o esclarecimento humano. Evidente que isso era completamente impensável no século XVIII, nem mesmo o mais criativo filósofo da época pensaria em tamanha utopia.  
1.3 UM LONGO E BEM PLANEJADO EMPREENDIMENTO
            A leitura da reposta kantiana sobre o que é o esclarecimento deixa claro que para o filósofo que o esclarecimento se trata de longo e bem planejado empreendimento, porém seu tempo clamava por mudanças rápidas e os prazos filosóficos, como sempre, eram demasiadamente longos se comparados com os prazos políticos. Não se passaram muitos anos para o mundo se envolver em uma série de revoluções violentíssimas como foi a francesa. A intenção da liberdade através do esclarecimento foi falsificada pela pretensão de se atingir rapidamente a liberdade através da violência e da política. Mas Kant com sua filosofia quase profética já imaginava qual seria o resultado disso tudo:
Por meio de uma revolução talvez se possa levar a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédias à grande massa destituída de pensamento.(KANT, p.2)  
            Terminadas as revoluções tivemos sim muito progresso, mas não nos esclarecemos. Tal como era a pretensão se derrubou a monarquia e isso foi muito bom, mas com o passar dos anos a burguesia democrática foi capaz de horrores impensáveis para os reis, podemos dizer o mesmo quanto ao comunismo russo. Não fizemos nada além de substituir uma forma de dominação por outra.[14] Não houve reforma em nosso modo de pensar. Nosso esforço foi reacionário.
             Essa mesma história ainda se replica até hoje. Deveríamos fazer uso pleno de nossa liberdade examinando muito bem nossas ideias antes de torná-las públicas. Mas isso quase nunca acontece. Vou exemplificar com algo bem atual que vem acontecendo: O Brasil será a cede dos dois próximos maiores eventos esportivos do mundo[15]. Dada a incompetência do poder público em preparar as cidades para tais acontecimentos os grandes investidores, brasileiros ou não, tem tomado as rédias da situação e entroca das obras que realizam tem garantido para seu capital reconhecimento, influência, lucro e muito marketing gratuito. Indignados com a situação muitas pessoas tem se organizado e se iniciou recentemente uma série de ataques aos mascotes que a Coca-Cola ergueu em todas cidades-sedes da Copa do Mundo FIFA de Futebol 2014. Houve violência e repressão policial e se iniciou uma discussão pública para saber se aquilo era vandalismo ou protesto. Tal debate não tem nenhuma relevância filosófica neste momento para meu trabalho, quero citar que após o primeiro ocorrido os manifestantes e seus simpatizantes começaram a espalhar pela internet mensagens do tipo “O povo está acordando!” ou “Vamos derrubar o capitalismo!” vinculadas à imagens de dos mascotes caídos e de pessoas feridas durante as manifestações[16]. Pois bem: isso só serve pra provar justamente o contrário. O povo não está acordando! O mascote é só um símbolo e o Sistema necessita ter símbolos; ele estava lá justamente para ser admirado, protegido e atacado. Ele estava lá justamente para substituir e alienar; Diríamos que cumpriu muito bem seu papel, afinal: por algum estranho motivo aqueles que se manifestam resolveram atacar o monstro gigante de borracha, deixando de lado os problemas reais dos quais estavam dispostos a lutar. Entre presos e feridos: o capitalismo[17] permaneceu intacto.
Tivemos algo muito mais próximo despertar político do povo brasileiro no recente Junho de 2013 onde milhões saíram às ruas em dias e cidades diferentes para protestar. Esta foi uma revolução do indivíduo. Talvez em quinhentos anos de nossa história com país, está foi a primeira vez que nos sentimos indivíduos. Ainda é muito cedo pra afirmar, mas parece que desta vez o povo brasileiro deu sinais que de seu despertar político. Claro que houve muita ingenuidade nos protestos e em suas interpretações, mas no geral as pessoas perceberam que não se tratava de R$0,20 a mais no preço da passagem do transporte público, nem do futebol, nem dos políticos, etc... Tratava-se da dor e da humilhação que sofremos todos os dias em troca de algumas migalhas... O despertar do povo brasileiro não se dá somente pelo fato de irmos às ruas para protestar, mas de percebermos que as instituições que nos tutelam já não representam nossos interesses e que nós somos parte disso tudo, e não qualquer parte: somos a parte que pode fazer a diferença. Um povo prova que está disposto a mudar sua realidade quando profana aquilo que normalmente consideraria sagrado. Tem algo mais sagrado do que o futebol no Brasil? Nem a novela das nove horas é tão sagrada. Aliais: a novela também foi profanada com as sucessivas interrupções para o televisionamento dos protestos. Não foi por acaso que o tudo começou justamente durante a disputa da Copa das Confederações FIFA 2013... Acordamos! Não iremos descansar tão cedo.  

Um outro ponto relevante para falamos que o Junho de 2013 demonstra um maior esclarecimento do povo brasileiro se dá pelos gritos de sem partido que ecoaram nas diversas manifestações que ocorreram. No geral as pessoas não entendem e houve muito equivoco frente ao significado do grito sem partido. Houve até manifestantes que em atitudes deploráveis e sem nexo com os objetivos buscados nos protestos:  repreenderam de maneira violenta aqueles que trouxeram bandeiras de sindicatos e partidos políticos. O real significado do grito sem partidonão está no pedido do fim imediato dos partidos políticos. Quem gritou pensando isso: gritou errado. O Grito de sem partido significa que: estamos ali não em nome ideologias ou de bandeiras, estamos ali sem partido”. O povo brasileiro foi às ruas em nome de nossos sofrimentos e dores reais e individuais. Fomos porque queremos fazer do Brasil um país melhor e para isso não queremos dar o poder para um outro partido, acordamos e queremos ética e moral na política. Essa é uma luta nossa, e de todos, não pode ser da bandeira x ou y. Todos são bem vindos, mas deixe a bandeira partidária guardada para outro momento. Isto tudo foi um começo, ainda estamos longe de um real esclarecimento, mas o Junho de 2013 será lembrado merecidamente como o despertar do indivíduo brasileiro.
            Kant deixa claro que seu tempo nem de longe era uma época esclarecida. Dada a abertura política que era estava ocorrendo, para o filósofo seu tempo era apenas uma época de iluminismo:
Temos apenas claros indícios de que lhes abre agora o campo em que podem actuar livremente, e diminuem pouco a pouco os obstáculos à ilustração geral ou à saída dos homens da menoridade de que são culpados. Assim considerada, esta época é a época do iluminismo, ou o século de Frederico.(KANT, p.6)
            É incrível como não consigo deixar de ver as semelhanças da época narrada por Kant em relação ao que vivemos agora. A inclusão digital e a democratização online do conhecimento proporcionam  a quebra de barreiras históricas para nosso esclarecimento. Não posso deixar de bradar que este também é um tempo de iluminismo, vivemos o século da internet!
            Definitivamente Kant não tinha o poder de ver futuro, ele realmente acreditava que a abertura politica de sua época levaria o ser humano a lentamente abandonar todo tipo de brutalidade, afinal perceberíamos que não existe propósito algum em conservar tais formas de horror. Também acreditava que a pior tutela era a tutela religiosa e que os governos não tinham o menor interesse de exercer tutela sobre as artes.(KANT, p.6-7) O século XX venho pra contradizer tudo isso, além das guerras mundiais e de todos outros horrores, a Indústria Cultural se tornou a maior das tutelas as quais os indivíduos mais se submetem. Também acreditava que aos poucos os governos perceberiam que não há riscos em permitirem seus governados façam o uso público da razão para expor publicamente suas ideias ao mundo. (KANT, p.7) Ainda hoje vemos muitos governos agindo contra a liberdade de expressão e buscando formas de censurar a internet e seu conteúdo. Por fim, temendo que cada vez mais o progresso anunciado levasse o homem a um estado de coisificação de sua própria espécie como de fato venho a ocorrer, Kant deixa claro que mais do que nunca cada homem deve ser respeitado segundo sua própria dignidade. (KANT, p.7)
            Após a leitura deste texto de mais de duzentos anos me fica evidente que o esclarecimento é um projeto válido e cheio de boas intenções, mas que fracassou devido a pretensão de alguns homens em transformá-lo em uma máquina de dominação e poder. Me dedico agora a uma breve análise de tal pretensão.     
2. A PRETENSÃO DO ESCLARECIMENTO
            Chegamos ao século XXI e os homens nunca foram tão escravos de seus mitos quanto hoje são. Isso porque concederam o status de natural às suas próprias invenções.
            Fruto do temperamento intelectual dos filósofos Theodor W. Adorno e Max Horkheimer o livro Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos de 1944 é um dos livros chaves para que possamos entender a corrente filosófica chamada de Teoria Crítica, bem como para entendermos melhor o diagnóstico doentio de nosso tempo. A proposta do livro é descobrir o por quê a humanidade em vez de entrar num estado verdadeiramente humano, se afunda sempre em uma nova espécie de barbárie.(ADORNO e HORKHEIMER, p.11)
            Escrito originalmente durante os horrores da segunda guerra mundial Adorno percebida a insensibilidade se espalhando pelo mudo de sua época, ele percebia o fracasso do projeto de esclarecimento iluminista, pois sentia na pele toda barbárie que poderia ser gerada da pretensão de se ter o controle absoluto sobre a natureza.
            Diferentemente de Kant que apontava para todo conhecimento humano anterior ao iluminismos como pertencente de uma menor idade culpada, Adorno e Horkheimer viam a busca  pelo esclarecimento como uma constante na história da razão humana. Devido a isso tal livro nos coloca justamente no terceiro ponto deste trabalho: O esclarecimento pretensiosamente sub-julga todos projetos anteriores da razão, se pretendendo como “o projeto definitivo da razão humana”. Devido a isso acabou abrindo a possibilidade ser falsificado pela pretensão dominadora, gerando assim justamente seu oposto aos homens.
            A pretensão do  esclarecimento pode ser entendida como  apropriação das ideias iluministas feita pela razão humana para tentar cumprir a primeira profecia. O impulso originário de pode ser entendido como a tentativa de termos controle racional sobre toda natureza. E o resultado buscado seria o conforto da previsibilidade.
            Adorno e Horkheimer perceberam que o mito já contém esclarecimento e o esclarecimento acaba por se reverter em mitologia. Por isso o esclarecimento seria um processo muito mais antigo que o iluminismo europeu e sempre fracassaria, pois cada nova filosofia esclarecedora já possui em si todos elementos para ser destruída por uma outra nova filosofia. O esclarecimento ao esclarecer corroí as bases do esclarecimento. O esclarecimento é auto-corrosivo.
            Os ideais iluministas e as revoluções que deles resultaram mostraram o poder do conhecimento frente ao poder sobre os homens. Não demorou muito para que se inferisse a relação próxima entre conhecimento e poder. O que levou o esclarecimento a comportar-se com as coisas tal como o ditador se comporta com seu povo. Passamos a tentar entender a natureza das coisas somente a partir da medida em que podemos manipulá-las a nosso favor.
            Para termos este controle erra necessário banir do processo racional todo o temor e o espanto que nosso contato com a natureza das coisas nos proporciona. A Crítica da Razão Pura se encarregou disso, traçando o circulo donde o pensamento racional poderia se desenvolver livre de tamanha interferência.(ADORNO e HORKHEIMER, p.38) A partir deste livro de Kant se profetizou que não há nenhum ser no mundo que a razão não possa penetrar, mas o que pode ser penetrado através da segurança ciência não é o ser em si[18]. Para ser mais “esclarecido” e conseguir mais controle sobre a natureza o indivíduo vai sempre buscando uma natureza cada vez mais externa, se afastando cada vez do objeto analisado e também de si mesmo. “A Submissão de tudo aquilo que é natural ao sujeito autocrático culmina exatamente no domínio de uma natureza e uma objetividade cegas.”(ADORNO e HORKHEIMER, p.16)
            Neste processo replicatório oriundo de tamanha pretensão sujeito e objeto tornam-se nulos, carentes de sentido e significado. Esvaziados ambos ficam com apenas uma propriedade, a propriedade de serem mero substrato para posse, dominação e controle. “Na redução do pensamento à uma aparelhagem matemática está implícita a ratificação do mundo como sua própria medida”(ADORNO e HORKHEIMER, p.38) O dito “triunfo da racionalidade objetiva” é na verdade a redução de todo ente ao formalismo lógico, pois subordina a razão ao imediatamente dado, lhe subordina à ditadura dos fatos, banaliza por completo o pensamento crítico e a imaginação humana. Desta forma a pretensão do esclarecimento revela sua meta oculta que vai exatamente na direção contrária da intenção do mesmo.
            Para Adorno e Horkheimer conhecimento não se trata de simplesmente compreender o dado enquanto tal, ou seja, saber dos dados e dos fatos apenas em suas relações espácio-temporais. Julgo que as pessoas se agarram a este tipo de conhecer pois traz segurança, a segurança da repetição enciclopédica. Conhecimento é justamente o contrário disto, conhecer é pensar os dados e os fatos como sendo apenas a superfície. É preciso afundar-se, necessitamos ir muito além do conceito. A coisa não se realiza no imediatamente dado, mas sim no desdobramento de seu sentido social e histórico. Conhecimento não consiste no mero perceber, classificar e calcular, mas reside precisamente na negação determinante de cada dado imediato. Ao invés disso o formalismo matemático mantém o pensamento firmemente preso ao meramente imediato. O factual tem sempre a última palavra, conhecer se restringe a narrar, repetir e replicar os fatos. Todo pensamento válido se transforma em tautologia, pois isso é segurança, o mergulho seria um afundar-se numa natureza perigosa.(ADORNO e HORKHEIMER, p.39)
Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao seu eu. Com a difusão da economia, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação. (ADORNO e HORKHEIMER, p.43)    
            Saio a caminhado quando de repente no meio de meu caminho há uma pedra. Existe uma pedra no meu caminho. Mesmo se eu dominasse toda ciência sobre as pedras e soubesse conceituar todas características daquilo diante de mim, mesmo assim seria incapaz de compreender a magnitude do que ali me aguardava. Aquela pedra tem mais história que toda história da humanidade. Por todo este tempo ela já ocupou muitos espaços e caminhos. Foi detentora de infinitos significados. Teve de deixou de ter infinitas utilidades, mas agora simplesmente está diante  de mim. Neste momento percebo que não é a pedra que está em meu caminho, sou eu que estou no caminho dela. Esquivo-me rapidamente!
 CONCLUSÃO
            Em suma: a pretensão do esclarecimento abdicou à realização do esclarecimento, como bônus deste feito falsificou nosso jeito de ver o mundo, nos inserindo num circulo auto-corrosivo onde nossa emancipação intelectual se torna um sonho demasiadamente cansativo e distante. A culpa por não termos saído ainda da menoridade da qual nós mesmos somos culpados é que em momento algum enxergamos a verdadeira luz da razão autônoma e da natureza. O que vimos nada mais foi que um reles brilho ofuscado pela turvolência pretensiosa da qual nós homens sempre estivemos mergulhados. Assim escrevemos nossa história sobre o sangue dos diferentes e sob a ameaça de heróis assassinos. Nosso progresso se faz encima de dor e sofrimento real, mas na realidade pouco ou quase nada fomos capazes de fazer para evitar mais dor e sofrimento. De fato: a pretensão do esclarecimento tem nos sido muito mais venenosa, alucinante e cancerígena do que qualquer romântico pode um dia poetizar (ADORNO e HORKHEIMER, p.52)
            Para mim, bem como para Adorno, o esclarecimento só se reencontrará com sua intenção quando renunciar ao último acordo com os inimigos do pensamento crítico e tiver a ousadia de superar o falso absoluto que é o princípio da dominação cega e naturalizada que vivemos hoje. O espírito de tal teoria grandiosa será capaz de inverter a direção do progresso impiedoso, será capaz de nos colocar novamente no lado certo da razão crítica, terá a capacidade de desofuscar as sociedades e nos apresentará a real luz prometida nas profecias kantianas.
            Tal teoria certamente é de difícil assimilação, por isso mesmo ainda não foi criada e quando um dia for: será renegada. Afinal, nos acostumamos a viver num mundo de conhecimentos e juízos tautológicos. O progresso cego se ergue falicamente e encanta os olhos turvos das massas com o vigor de sua força . Ele faz questão de bajular aqueles que suas almas gentilmente lhes cedem. Nos apresenta tal conforto que faz da ignorância a única real virtude nos dias de hoje. Vivemos o tempo onde erroneamente os homens acreditam que podem imperar na prática sobre a natureza, onde cultivamos o conhecimento que é poder, mas que nada conhece. Onde o esclarecimento falsificou-se na total mistificação das massas.(ADORNO e HORKHEIMER, p.52)
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento : fragmentos filosóficos.  Rio de Janeiro : Zahar, 2006.  223 p.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: “Que é o Iluminismo?”. Königsberg Dez., 1783. 8.p Disponível em  http://www.lusosofia.net/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf Acessado em 31 de Outubro de 2012.



[1]    Mestrando em Filosofia na área de Ética e Filosofia Política pela Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educacion da UDELAR Uruguay  & pelo PPGFil da PUCRS sob a orientação de Dr.Agemir Bavaresco; com bolsa “sandwich” da Capes; Bacharel e Licenciado em Filosofia pela PUCRS.  fabiogt@zipmail.com.br - http://www.filosofiahoje.com/
[2]    Esta data não é exata.
[3]    Entre outras muitas coisas.
[4]    Muito mais em sua pretensão, mas nada mais em sua intenção.
[5]    Julgo que a linguagem surgiu depois como um um mecanismo necessário para o desenvolvimento da razão e seu domínio.
[6]    Com base em meus conhecimentos: essa tarefa me parece impossível.
[7]    Prefiro usar o termo “esclarecimento” justamente para diferenciar o período histórico do Iluminismo europeu em relação ao processo de emancipação intelectual que a humanidade sempre procura. Também porque em português o termo Iluminismo pode nos remeter a ideia de “iluminação divina” o que não condiz com o pensamento que pretendo apresentar. Desta maneira uso o termo “esclarecimento” que já havia sido adotado por Guido Antonio de Almeida para a palavra alemã aufklarüng.      
[8]    Figura da mitologia brasileira que tem os pés apontados pra o lado inverso.
[9]    Em seu livro denominado: Crítica da Razão Pura
[10]  Kant, neste caso.
[11]  Fracassou no sentido de que não foi totalmente completo e abriu brechas para barbáreis terríveis.
[12]  Esclarecido no sentido de buscar sempre, ainda que não obtenha êxito em todos os casos, me submeter somente à minha razão.
[13]           Por exemplo: uma comunidade filosófica.
[14]           Se pode argumentar que a forma atual de dominação é menos nociva que a antiga, mas julgo que não podemos pagar esse tipo de preço por nosso progresso.
[15]          Copa do Mundo FIFA de Futebol em 2014 e Olimpíadas de Verão em 2016.
[17]  Que era o inimigo a ser vencido.
[18]  Este foi banido para o abito da metafísica.
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3 comentários:

  1. O texto está ótimo, mas por favor troque esse fundo que minhas vista está muito cansada.

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    1. Este artigo\ensaio logo será publicado num revista filosófica. Quando isso ocorrer, lhe passo o pdf.

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